domingo, 3 de julho de 2011

APÓS AS BATALHAS DA ROLIÇA E DO VIMEIRO...

AGOSTO
DIA 22

Colecção particular

Concorda-se que entre os exércitos inglês e francês se estabeleça um armistício, ficando o rio Sizandro como linha que demarque os terrenos ocupados por um e outro, declarando-se neutra, para ambos, a posição de Torres Vedras. Dalrymple fará aceitar o armistício pelos portugueses, cujas forças se colocaram entre Leiria e Tomar; os franceses não ficariam prisioneiros de guerra e levariam para França o que lhes pertencia; a todos os indivíduos daquela nação, e bem assim os portugueses, que se declararam a favor do domínio de Napoleão, foi dada toda a protecção pelos ingleses; do porto de Lisboa, que passou a ser considerado neutro, teve toda a liberdade de sair a esquadra russa que ali se encontrava fundeada, não podendo ser perseguida senão depois do tempo fixado pelas leis marítimas; a artilharia de calibre francês e o gado da cavalaria invasora seriam igualmente levados para França; a ruptura do armistício declarar-se-ia vinte e quatro horas antes de principiarem de novo as hostilidades; as fortalezas, em poder dos franceses e que até 25 de Agosto não tivessem capitulado, seriam entregues aos ingleses. Esta última clausula constava de um artigo adicional.

O General Kellermann, depois de combinado o armistício, regressou para o seu acampamento, que naquele dia foi em Cabeça de Montachique.

DIA 23

Colecção particular

Junot chega tarde a Lisboa, onde é recebido como se tivesse ficado vencedor no Vimeiro, o que é afirmado numa proclamação de Lagarde, intendente geral da polícia. O castelo de São Jorge dá uma salva de 21 tiros no momento da chegada. Apesar das falsas notícias espalhadas na capital pelos franceses, muitos destes não escondem a sua tristeza e desalento.

Sir Arthur Wellesley, escrevendo do campo do Ramalhal a Lord Castlereagh, pede-lhe que embora lhe veja o nome na convenção feita para a evacuação de Portugal pelos franceses, não queria que ele negociasse ou aprovasse, nem que tivesse intervindo na sua redacção.

Colecção particular
Foi o General Sir Hugh Dalrymple que a negociou, na presença de Burrard e de Wellesley. Depois de o General Kellermann a redigir,  Dalrymple desejou que Wellesley a assinasse, o que foi sugerido por Kellermann. Wellesley pôs a objecção à "verbiage" (esta palavra francesa está no original inglês) do documento e a ficar indefinido o prazo da convenção, que no seu entender devia ser de 48 horas, unicamente. Aprova que se permita aos franceses que evacuem Portugal, porque lhe parece impossível que as tropas de Sir John Moore marchassem sobre Santarém a fim de lhes cortar a retirada para Évora, e porque, podendo o inimigo estabelecer-se ao abrigo desta praça, do forte da Graça, de Almeida e de Peniche, seria necessário fazer o sitio em regra a estas fortificações ou bloqueá-las, na pior estação do ano em que se podem fazer tais operações em Portugal, julga preferível, para a causa geral, ter 30.000 ingleses em Espanha, onde, feita a Convenção, poderão penetrar imediatamente, a empregá-las em tomar ou bloquear praças de guerra portuguesas. Entende, porém, que se for permitido aos franceses o saírem de Portugal, só deverão levar consigo o que lhes pertence, e que se tomem as medidas necessárias para que os seus generais restituam a prata que roubaram das igrejas.

DIA 24 
O Coronel Murray, que tinha ido a bordo da esquadra inglesa, apresentar a Sir Charles Cotton, os artigos da convenção estipulada entre Junot e Dalrymple, volta com a resposta do Almirante. Nega-se este a aceitar semelhantes condições e diz que procederá isoladamente em relação à esquadra russa. Dalrymple envia Murray para Lisboa, a fim de participar a Junot que, em consequência daquela oposição, está  quebrado o armistício, mas que Murray vai munido de plenos poderes para entabelar negociações acerca de outra Convenção, feita sobre novas bases.

Foi então que o exército inglês avançou para a frente, até penetrar no Ramalhal.

DIA 25
A divisão de Sir John Moore começa a desembarcar na praia da Maceira. Unindo o seu efectivo ao das tropas comandadas por Hugh Dalrymple, elevando-se a 30.000 homens, a força total do exército britânico existente em Portugal.

DIA 26
Por determinação da junta de Beja, estabelece-se em Évora uma junta, que fica governando em nome do Príncipe Regente. Esta exerceria os seus poderes até que se constituísse em Lisboa a nova regência.

Os franceses abandonam Setúbal, o que dá lugar a que ali se constitua uma junta provisional de governo.

DIA 27
Dalrymple recebe informação, mandada pelo Coronel Murray, de se estar a negociar, em Lisboa, outra Convenção sobre novas bases, sendo o negociador, da parte dos franceses, o general Kellermann, que já tratara da primeira.


Colecção particular

Sir Charles Cotton escreve a Sir Hew Dalrymple, de bordo do navio Hibernia, que se encontra fundeado frente a Cascais, a lembrar-lhe que, tendo os franceses evacuado Setúbal, seria bom enviar para lá as forças de Sir John Moore que tinham desembarcado na Maceira. " Com a assistência dos leais portugueses, acrescente o almirante, poder-se-á tomar posse das duas margens do Tejo." Diz também que nunca poderá concordar com os artigos preliminares do armistício que leu na véspera, de modo que sirvam de base para um tratado definitivo.

Comunica. na mesma data, a Dalrymple, em outro oficio, que segundo lhe participam os informadores que tem em Lisboa, os franceses estão em tamanho desalento, que se renderam á discrição e aceitaram a clausula de irem para França como prisioneiros de guerra.

DIA 28
As tropas portuguesas do comando de Bernardim Freire, que não tinham partido da Lourinhã por causa do armistício em ajuste entre franceses e ingleses, ocupam o lugar da Encarnação, junto a Mafra.

As forças de Trás-os-Montes e Beira Alta, comandadas pelo general Manuel Pinto Bacelar, que estavam de observação em Santarém, recebem ordem para avançar.

Desfeito o armistício e esperando-se novos combates, Sir Hugh Dalrymple faz movimentar as suas forças, ocupando parte dele Torres Vedras, ficando os restantes acampados na retaguarda da mesma vila.

DIA 29
Reina grande agitação em Lisboa, aumentando as esperanças e os receios a todo o instante pela ignorância em que está a população acerca da marcha das negociações entre Murray e Kellermann, bem como pelas notícias contraditórias espalhadas pelos franceses e pelas pessoas que estavam em comunicação com as províncias.


Colecção particular

Os portugueses, cobrando ousadia, ultrapassam a linha de demarcação entre os dois exércitos, acometem as patrulhas francesas e ameaçam um ataque dos lados de Santarém. Embora Dalrymple se coloque de fora destes acontecimentos, o desacordo entre ele e Junot vai-se agravando, a ponto de que este último, recobrando por momentos a sua energia natural, ameaça largar fogo aos edifícios públicos de Lisboa e defender palmo a palmo as ruas da cidade, à custa da qual será feita a retirada. A artilharia do castelo de São Jorge, que estava em poder dos franceses, pode efectivamente causar, em grande parte da capital, prejuízos incalculáveis.

Parece que Dalrymple, temendo Junot, se resolveu a assinar a Convenção, que tantos dissabores havia de causar-lhe.

DIA 30
Concluí-se em Lisboa o tratado entre franceses e ingleses, que é designado pelo nome de Convenção de Sintra. Consta de 22 artigos principais e de mais 3 complementares, tendo havido, sobre pormenores de alguns deles, divergências entre Wellesley e Dalrymple. Diversas condições são quase as mesmas que as do armistício, tendo-se, porém, excluído a que, nesta se referia à esquadra russa do almirante Siniavin. Estabelece-se que o governo britânico fornecerá os transportes para se recolherem a França as tropas de Junot, ficando os doentes ao cuidado dos ingleses e devendo as despesas ser pagas pelo governo de Paris; que o exército francês se concentre em Lisboa e arredores até duas léguas de distância , e que o inglês avance até à distância de três; que as tropas britânicas ocupem Cascais, São Julião da Barra e o Bugio, logo que esteja devidamente ratificada a convenção, e Elvas, Almeida e o castelo de Palmela, quando isso fosse realizável; finalmente que os generais franceses possam levar consigo o que for propriedade sua.

Colecção particular


Embora se lhe chame usualmente "Convenção de Sintra" este ajuste foi feito e assinado em Lisboa por Murray e Kellermann. Junot ratificou-o também em Lisboa, no dia 30 de Agosto, e Dalrymple em Torres Vedras, no dia 31, segundo refere Arthur Wellesley na alegação com que justificou o seu procedimento perante a comissão de generais ingleses, que, em Londres, inquiriram do modo por que se tinham havido os negociadores, quando a opinião publica tanto os estigmatisava em todo o Reino Unido.

Proviria aquela errada denominação, como quer Brialmont, de ter sido datado de Sintra o oficio de Dalrymple para o governo inglês, que acompanhou a cópia da "Convenção"?

Junot ratifica em Lisboa a precedente Convenção, mas, por lapso, assina apenas os artigos adicionais.

O Conde de Castro Marim, com algumas tropas do Algarve, entra em Évora, tendo empregado o tempo que passou em Beja a estabelecer relações com o general Francisco de Paula Leite, e outras autoridades militares do Alentejo, tendo lá deixado a maior parte das forças que o acompanhavam.


SETEMBRO DE 1808

DIA 1
Colecção particular
Junot recebe a convenção revestida das necessárias ratificações. É-lhe enviado como reféns o coronel do estado-maior inglês Duncan. O major Desroches é mandado a Dalrymple, nas mesmas condições.

As forças portuguesas reunidas em Campo Maior marcham a juntar-se com as do Algarve, a fim de, em cumprimento das instruções do governo do Porto, marcharem para Lisboa, sob o comando do Conde de Castro Marim.


DIA 2
Estabelece-se em Oeiras o quartel general do exército britânico, ficando a direita apoiada nos fortes da barra do Tejo e a esquerda nas alturas de Belas.

Os fortes de São Julião da Barra, Cascais e Bugio são entregues às tropas britânicas, e é neles "impropriamente hasteadas", confessa-o Napier, a bandeira inglesa, em vez da portuguesa.


Beresford
Colecção particular

As forças inglesas que ocupam aquelas obras são os regimentos 3 e 42, que desembarcam para tal fim. Comanda-os o major-general Wlliam Carr Beresford. Vinha da Madeira, onde tinha estado comandando as tropas inglesas que guarneceram a ilha, e exerceu as funções de governador militar, de acordo com a ajuste havido entre os governos britânico e português.

Aqueles acontecimentos causam a maior alegria a Lisboa, cujo povo andava em constante alvoroço, quando se separa a esquadra de Cotton e os navios fundeados desde a enseada de Paço de Arcos até à Boa Viagem, saíram deles escaleres cheios de tropas de desembarque. O Tejo fica assim aberto à navegação, depois de nove meses de rigoroso bloqueio exercido pelos ingleses.

O exército francês, concentrado em Lisboa, ocupa as principais praças e cerca-se de vedetas e patrulhas, como se estivesse em frente do inimigo. De noite as sentinelas fazem fogo sobre qualquer pessoa, que se aproxima do seu posto.

Os lisboetas declaram que estando certo o auxílio dos espanhóis, Portugal não precisava de que a Inglaterra lhe viesse acudir, para afinal de contas se fazer um tratado naquelas condições, com a agravante de não haver nele referência ao Príncipe Regente nem à Junta do Porto, e que tem condições muito mais desvantajosas que o que fizera o general espanhol D. Francisco Castaños em Baylen, depois de vencer as forças de Dupont.


Tenete-General Silveira
Colecção particular

Francisco da Silveira Pinto da Fonseca estando com as tropas no campo da Encarnação, solicita por escrito a Bernardim Freire que se pergunte ao general Dalrympl se consente que o exército português rompa as hostilidades contra os franceses. Se a resposta fosse afirmativa, podia desde logo proceder-se; se fosse negativa, deve lavarar-se protesto: "é necessário, diz Silveira, obstar ao saque já iniciado em Lisboa, no dia anterior"

Dia 3
Lagrave, parte para Paris, a fim de entregar a Napoleão cópia da Convenção e o relatório do general-em-chefe.

Dia 4

General Bernardim
Colecção particular

O general Bernardim Freire, que se encontra igualmente com o seu exército na Encarnação, protesta contra a Convenção realizada entre ingleses e franceses, em razão da falta de contemplação dela havida para com o Príncipe Regente e o governo que o representa, e de tudo o que nas suas estipulações é contrário à honra, segurança e interesses de Portugal. Específica, igualmente, no protesto o não se afirmar na Convenção que é só provisória a entrega das praças de guerra portuguesas, etc. à tropas inglesas. Entende que o exército inglês existente em Portugal deve considerar-se como auxiliar. Outra clausula da Convenção que lhe merece o mais forte protesto: é a que isenta de castigo os portugueses que tenham servido os franceses, e aos quais deve aplicar-se, pelo menos, a pena de extermínio.

Dia 5
O Conde de Castro Marim, Francisco de Mello da Cunha Mendonça e Menezes, general das tropas levantadas no Algarve, protesta contra a Convenção, porque nem o Príncipe Regente nem o seu governo foram consultados a tal respeito, e pela falta de atenção que se usou para com ele, não obstante os serviços prestados. Lembra que, sem o auxílio de estrangeiros, expulsou do Algarve os franceses, avançou pelo Alentejo e veio postar-se na margem esquerda do Tejo com as forças do seu comando.

Dia 7
Os portugueses arrancam as taboletas franceseas que havia em muitos locais de Lisboa. As tropas inglesas que aparecem nas ruas são aplaudidos com delirio e seguidos por uma imensa multidão, sendo brindados com refrescos.

Dia 8
As tropas do Algarve, sob o comando do Conde de Castro Marim, que de Évora tinham vindo para Montemor-o-Novo e Vendas Novas, recebendo neste lugar informações positivas a respeito dos acontecimentos militares e politicos por intermédio de Francisco de Mello Breyner, chegam à vila de Palmela, que já se encontrava evacuada pelo inimigo.

O Conde transfere o seu quartel general para Azeitão, onde permanece até ir ocupar o lugar na regência que se organisou em Lisboa, pouco depois, havendo antes guarnecido com tropas suas a margem esquerda do Tejo, desde Coina até à Trafaria, no intento de obstar a que o inimigo por ali se escapasse.

Coorden. de textos: marr

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