domingo, 25 de maio de 2014

EPISÓDIOS E DOCUMENTOS DA GUERRA PENINSULAR II






In: "Arquivo Nacional" n.º 90 de Set1933 (colecção particular)
marr

MILÍCIAS


CHAPÉUS
Modelo 1806/09


Um dos principais problemas surge-nos quando tentamos analisar as coberturas de cabeça dos componentes dos Regimentos de Milícias, primeiramente porque o Plano de Uniformes de Maio de 1806, não é nada claro e esclarecedor a esse respeito: «em vez de barretina usarão chapéus redondos com uma pele em forma de pluma desde a parte anterior até à posterior da copa», nada mais acrescentando.

Como é do conhecimento geral, o Plano de 1806 só passou a ter utilização prática em 1808, uma vez que a sua execução foi abruptamente cortada com a invasão franco-espanhola comandada por Junot, tendo as tropas francesas entrado em Lisboa no dia 30 de Novembro de 1807, começando a sua retirada para França, após a assinatura da Convenção de Sintra a 30 de Agosto de 1808, tendo-se então restabelecido o governo legítimo em Lisboa a 15 de Setembro desse mesmo ano.

Após a retirada das forças inimigas, começou-se a trabalhar afincadamente na reorganização do nosso Exército e por força do Alvará de 20 de Dezembro de 1808, foi publicado o Regulamento de Milícias, onde no Capítulo VI se trata do «Fardamento dos Regimentos de Milícias» onde no Paragrafo I se lê: «os milicianos continuarão a prever-se à sua custa do fardamento competente determinado do Plano de Uniformes de 19 de Maio de 1806, advertindo, que nos chapéus terão uma presilha branca de galão número 30 que, segurando o laço, venha prender junto à aba num pequeno botão branco e liso; devendo ser de prata a presilha dos Oficiais e Oficiais Inferiores e de lã as dos Cabos, Soldados e Tambores».

Frontispício do Alvará de 20 de Dezembro de 1808
(colecção particular)

Não resta dúvidas que no regulamento acima referido a descrição da cobertura de cabeça vem mais pormenorizada, contudo não é suficientemente claro no que diz respeito ao modelo do chapéu e as fontes iconográficas em vez de esclarecerem, ainda nos colocam mais dúvidas, uma vez quer existem diversas leituras e sensibilidades nas suas interpretações; assim penso que a fonte mais fidedigna diz respeito a umas gravuras posteriormente aguareladas onde se vêem oficiais e soldados de Milícias com um chapéu alto (cartola) com abas redondas (fig.1).

Figura n.º 1
(colecção particular)

Já Ribeiro Artur, na sua aguarela do Regimento de Penafiel, mostra-nos um chapéu de copa redonda e com a aba esquerda fixa à mesma por intermédio de um botão que prende o laço e a presilha (fig. 2).

Figura n.º 2
(Colecção de postais ilustrados, edição Jornal do Exército)


No meu trabalho publicado no Jornal do Exército em 1979 e 1996 apresentei as duas versões, (fig.3).

Figura n.º 3
(colecção particular)












No livro “The Portuguese Army of the Napoleonic Wars” vol. 3, encontra-se na prancha “C” um chapéu (fig.4) que é o que mais se aproximam da gravura (fig.1).

Figura n.º 4


Finalmente na “Collecção Systematica das Leis Militares de Portugal”, tomo III, que eu possuo, nada mais se adianta sobre este assunto.

(colecção particular)

Como a moda civil influenciou muito o uniforme militar, nessa época, talvez indo por essa via poderemos ter uma pista no que diz respeito aos chapéus das Milícias. Corria o ano de 1809, quando a moda inglesa começou a dar o “tom” tendo-se introduzido em Portugal a moda do chapéu redondo ou chapéu alto (fig.5) já até então muito utilizado pelos boleeiros a partir de1788.

Figura n.º 5
(colecção particular)













Wellington apresentava-se muitas vezes de chapéu alto de cor clara e Beresford, quando à civil, era regularmente visto a passear pelas ruas de Lisboa com um idêntico, mas de oleado. Algumas unidades inglesas também utilizaram este género de cobertura de cabeça (fig.6).

Figura n.º 6
(colecção particular)

Existe, ou existia no Arquivo Histórico Militar um desenho, que nos mostra vários pormenores de um chapéu, sem nenhuma legenda, que poderá ser de Milícias pelo menos é o que mais se aproxima; este documento foi fotocopiado no ano em que o encontrei, por volta de 1976/77, a máquina que fez o trabalho não estava nas melhores condições, uma vez que se encontra muito escuro e sem a mínima qualidade, contudo penso que seja um documento muito importante para o tema em estudo; no que diz respeito à cota não me recordo de a ter anotado ou se a perdi, restando-me apenas a cópia do documento que apresento (fig.7).

Figura n.º 7
(in:A.H.M.)

Algumas unidades de Milícias e até de Primeira Linha utilizaram chapéus redondos: no Brasil, na Ilha da Madeira e nos Açores (fig.8)

Figura n.º 8
(colecção particular)
















Texto e ilustrações: marr

segunda-feira, 7 de abril de 2014

MILÍCIAS


Introdução

Emboscada às tropas francesas executada por milícias populares
devidamente enquadrados por elementos dos Regimentos de Milícias em c.1809
Aguarela de Roque Gameiro (colecção particular)


 Durante a guerra contra a Espanha, no reinado de D. João IV, foi reconhecida a necessidade de aumentar as nossas forças militares, criando-se para o efeito as tropas auxiliares ou de segunda linha, que eram destinadas a reforçar o exército de primeira linha; deste modo as nossas forças militares passaram a ser constituídas pelos terços do Exército de Linha, pelos das Tropas Auxiliares e pelas Companhia de Ordenanças.

No ano de 1641 deu-se cumprimento às Ordenanças Sebásticas, criando-se um fundo de recrutamento indispensável à constituição de um Exército permanente, estabelecendo-se que os filhos das viúvas e dos lavradores, quando necessário para o amanho das terras, ficariam isentos do serviço de primeira linha; assim como os casados em idade militar, tendo-se constituído, para o efeito, um segundo escalão que se passou a denominar por Tropas Auxiliares ou milicianos, sendo constituíos por trinta terços, tendo cada um cerca de seiscentos a seiscentos e cinquenta elementos.

As leis que regiam os terços Auxiliares eram as Ordenanças de 1632, do reinado de D. Filipe III, que devem ter tido aplicação prática até cerca de 1707, continuando depois a seguir-se os mesmos regulamentos, embora actualizados de tempos a tempos e sempre que assim fosse necessário, mas sem uma legislação orientadora ou básica, ficando tudo um pouco ao critério dos respectivos Mestres-de-Campo. Além de tudo isto, é necessário ter em conta que durante alguns reinados a tropa de Linha foi totalmente descurada, podendo-se então imaginar o total abandono e desprezo a que as nossas Milícias se encontrariam, estando votadas ao total esquecimento por quase todo o século XVIII.

Decreto de 7 de Agosto de 1796
(colecção particular)

Finalmente, por força do Decreto de 7 de Agosto de 1796 (1), foram os terços das tropas Auxiliares convertidos em Regimentos de Milícias, sendo substituído o título de Mestre-de-Campo pelo de Coronel de Milícias. A partir dessa data os coronéis de Milícias, conforme as tropas pagas, passaram a ter o privilégio de poderem ostentar a banda de retrós enrolada à cintura em todas as funções militares, passando estas unidades a terem direito a bandeira, tambores e pifanos conforme as tropas pagas. Os Regimentos passaram a ficar constituídos, no seu estado completo, por um total de oitocentos militares, organizados num estado-maior, oito companhias de fuzileiros, uma de granadeiros e outra de caçadores. 

A primeira companhia, de fuzileiros, além da sua composição normal tinha mais um porta-bandeira e dois pifanos; a segunda, só tinha um porta-bandeira e as restantes eram de constituição normal; a companhia de granadeiros tinha uma composição igual à de fuzileiros acrescentando-lhe seis porta-machados e finalmente a companhia de caçadores era de composição normal.
Plano anexo ao Decreto acima mencionado
(colecção particular)


     (1)  Este Decreto durou até á publicação do Alvará de 20 de Dezembro de 1808
           (assunto a tratar na devida altura)

     Texto e ilustrações: marr